Desapego!

Maravilhosa atitude! Vale a pena conferir

Eu estou envolvida num projeto pessoal que pode parecer meio estranho para muita gente, mas para mim, além de ser urgente, faz o maior sentido: vou jogar metade da minha casa fora. Quero me livrar de todas as coisas que não precisamos e não usamos e fazer da minha casa um território livre de tranqueiras.

O festival de coisas inúteis é em grande parte minha responsabilidade. Por um lado, tenho que admitir que, dominada por uma síndrome que acomete muitas mães de primeira viagem criadas no consumismo, eu comprei muita coisa, provavelmente mais do que era necessário. Depois, com duas crianças pequenas em casa, eu não tive tempo para nada nos últimos anos e todas essas coisas foram ficando por aqui. Ou seja: as crianças cresceram, perderam roupas, desgostaram de brinquedos, nosso estilo de vida mudou, o mundo mudou, e tem um montão de coisas aqui em casa que precisam ser “reavaliadas” e tomar um novo rumo, preferencialmente lá fora.
Aqui na Europa, para ter uma casa limpa, organizada e gostosa, você tem que fazer justiça com as próprias mãos mesmo. Já tentei muitas estratégias diferentes, inclusive pagar caro por ajuda doméstica,  mas nada deu muito certo.  Agora cheguei a uma conclusão meio óbvia: só tem um jeito da gente gastar menos tempo arrumando, é a gente ter menos coisas para arrumar! Simplificar as coisas.
A inspiração final para essa minha resolução foi a semana que passamos neste verão no apartamento de um conhecido em Berlim. Ele viajou e emprestou o apartamento para a gente. Um alemão super bacana, uns 30 anos, arquiteto.  Sem nenhum tipo de ostentação, a casa era de um tremendo bom gosto. Bem iluminada, ampla, funcional e não pude deixar de notar que o alemão em questão tinha muito pouca tranqueira.  No apartamento, ficamos hospedados eu, meu marido, as crianças e minha irmã mais nova. Achei que em dois dias a casa ia estar inabitável, mas não foi o caso. Juntando a funcionalidade do apartamento dele mais o fato de que estávamos todas ali com o básico, sobrevivemos numa ordem relativamente ok. Sim, dá para viver super bem, aliás, dá para viver melhor com o essencial. Tá certo que o cara não tem filhos, é um arquiteto talentoso, cheio de ideias criativas, mas mesmo assim, convenhamos: quem precisa de 67 ursinhos de pelúcia?
Essas coisas todas roubam o espaço (e a funcionalidade) das nossas casas, e pior: das nossas vidas. De alguma maneira, eu sinto que para abrir o espaço que estou precisando na minha cabeça, eu tenho que abrir espaço na minha casa. Reciclar, reavaliar, fazer as coisas fluírem de maneira mais prática.
Depois tem outro negócio muito importante nisso tudo. Eu cansei do consumismo.Sempre fui gastona, super compradora, mas não estou mais interessada. Estou me reeducando. Não quero que as crianças cresçam acreditando que elas precisam possuir muitas coisas para serem felizes porque isso simplesmente não é verdade….  Eu quero que a minha família abrace um outro estilo de vida, outros valores. Há alguns anos eu acreditava que ser bem sucedido e ter uma vida boa era também ganhar muito dinheiro e poder ter acesso a determinados luxos. Não que eu tenha virado uma monja: bem longe disso!!! Pago caro por coisas e serviços que acho que valem para mim e para as crianças, e falo na posição de alguém que nunca teve que se preocupar com dinheiro para ter suas necessidades básicas muito bem atendidas. Mas é que hoje em dia, eu admiro muito mais as pessoas que tem controle das suas mentes, que vivem em paz consigo mesmas, que cultivam bondade, do que alguém cujo grande mérito é ter coisas.
Enfim, é isso. Faz duas semanas que comecei meu projeto. Sempre que posso abro um armário, uma gaveta, uma caixa e digo: “ok, vamos lá”. Meu primeiro alvo foi o quarto das crianças. Dei vários brinquedos e o que sobrou dividi em duas partes. Uma parte foi passar umas férias no depósito do sótão. A outra parte ficou no quarto mesmo. As crianças nunca notaram os brinquedos que sumiram, pelo contrário, como era possível enxergar os que ficaram, era como se elas tivessem ganhado coisas novas. Quando eles enjoarem dos que estão à vista, vou trocá-los pelos que estão no sótão.
Mas este projeto é difícil para caramba. Primeiro, vamos combinar, é muito chato, dá trabalho, e você tem que decidir o que fazer com as coisas. Aqui na Alemanha até doar para quem precisa dá trabalho. Jogar fora também. O lixo tem mil restrições e se você for feliz e contente jogar a cafeteira sobressalente na lixeira do prédio pode voltar com uma bela multa…. Além disso, esse negócio de possuir coisas está muito enraizado na gente. Dá medo de se arrepender, de alguma vez na vida precisar de novo daquele conjunto de chá que foi usado numa única ocasião nos últimos 5 anos. Mas estou decidida a começar uma nova era aqui em casa. A ordem agora é liberar a energia, doar e pasmem, até fazer uma grana..  Sim porque os alemães, amantes inveterados de uma pechincha, adoram comprar pelo Ebay. Acabei de vender o berço do Gael, dois sacos de dormir (a compradora teve sorte, paguei os olhos da cara e usei bem pouco)  e um macacão de neve da Maria. Meu marido, que no começo ria das minhas negociatas, se empolgou.
Decidimos, que num ato simbólico, com o dinheiro do nosso “família vende tudo”, vamos comprar uma mesa nova para a cozinha. Assim já colocamos em prática, um das máximas de organizadores profissionais: para entrar coisa nova, coisa velha tem que sair. Quando a mesa chegar vamos organizar um belo jantar com amigos e celebrar nosso primeiro passo (pelo menos físico) para uma vida mais simples. Pois é assim que queremos viver a vida. Sem tranqueiras. Só com o essencial.